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A convocatória Todas Escrevemos surge, em primeiro momento, com o desejo/objetivo de mapear a escrita de mulheres na cidade de Porto Alegre/RS. O recorte da cidade aparece para pensarmos na cartografia de um olhar local, da escrevivência - como diria Conceição Evaristo - do que nos cerca. O recorte de gênero nasce do viés feminista do grupo, que não só reconhece a disparidade das muheres no mercado livreiro brasileiro, da história da literatura global marcada pelo patriarcado branco, e do impacto de seus dispositivos machistas e misóginos para o atraso, apagamento e invisibilidade das mulheres neste campo, como também que quer ser mais uma iniciativa que ofereça “um teto” para as mulheres chamarem de “seu”.

 

Em 2020, observa-se que a literatura feminista continua em ascensão no mercado editorial, seja através de selos nichados em grandes grupos editoriais, seja pelas editoras independentes. Um movimento que tem como fatores o incômodo com a predominância branca-cis-heterrosexual-masculina dos sujeitos que escrevem. Um incômodo que parte das que escrevem e das que lêem. De acordo com conhecida pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, publicada no livro Literatura  brasileira contemporânea - Um território contestado (2012), 72% dos autores publicados no Brasil são homens, brancos, de classe média, moradores do Rio de Janeiro e São Paulo, que ocupam cargos de professores ou jornalistas. 

 

Na análise, foram examinadas 258 obras publicadas por algumas das maiores editoras do setor - Record, Rocco e Companhia das Letras - entre o período de 1990 a 2004. Além da maiúscula presença masculina cisgênera, 93,9% dos autores são brancos. A narrativa é a metrópole em 82,6% dos casos. Os negros aparecem quase como personagens marginais e as mulheres são descritas como donas de casa ou objetificadas sexualmente. 

 

Enquanto isso, a quarta edição da Pesquisa Retratos da Literatura no Brasil, que foi realizada pelo Ibope em 2015, mostrou que as mulheres são a parcela da população que mais lê e que mais incentiva o hábito da leitura. Foram consultadas 5.012 pessoas entre 5 e mais de 70 anos. Eis os resultados: 52% delas eram mulheres e 48% homens; 67% das pessoas afirmaram não possuir nenhum responsável ou pessoa que incentivasse a leitura na infância. Mas, dos 33%  que tiveram alguma participação, a mãe ou uma figura mulher foi a principal responsável, seguida de professora ou professor. 59% das mulheres entrevistadas são leitoras, enquanto 52% dos homens o são. 

 

É importante resgatar também que em 2014, o debate sobre autoria de mulheres ecoou pela sociedade. Foi o ano em que, no Brasil, a publicação de uma antologia que listou 101 autores contemporâneos essenciais contemplou apenas 14 mulheres entre os indicados. A ilustradora e jornalista britânica Joanna Wash criou a hashtag #ReadWomen2014, que alcançou diversos países. O Brasil não ficou de fora, levantando o debate através da #LeiaMulheres. 

 

As mulheres são nosso foco na convocatória, mas sabemos que elas não são um bloco homogêneo. Nem aqui na convocatória, muito menos na sociedade. Por isso, fizemos questão de analisar o perfil das nossas participantes a partir dos seguintes eixos: raça, gênero, faixa etária e localização por bairro. Confira os dados e comentários abaixo: 


 

RAÇA

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Aqui, percebe-se a repetição do padrão de protagonismo branco entre as mulheres participantes da convocatória. Uma disparidade que incomoda e se agiganta por sua proporção: apenas 9,5% das participantes são negras, apenas 0,6% indígenas, além de uma parcela não branca de 2,5% que se identificou como “outra” e 7,6 como “não listada”. Nosso método de extração de dados foi através de formulários preenchidos pelas próprias participantes de modo online, o que não exclui uma série de eventos que podem influenciar os dados e que deixam sem muita profundidade para análise as opções “não listada” e “outra”. Mesmo assim, isso não mudaria radicalmente o protagonismo desproporcional de mulheres brancas. Mulheres de todas as raças são bem vindas em nosso projeto, mas a pouca conexão com o público não branco reverbera o domínio intelectual da branquitude no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul, além de evidenciar como os impactos do patriarcado branco deixam marcas de proporções diferentes em negras e indígenas. Porto Alegre é a capital mais desigual entre pretos e brancos no Brasil, de acordo com dados do relatório de Desenvolvimento Humano para Além das Médias divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2017, e o gráfico confirma o que já sabemos.

Convidamos as mulheres brancas a pensarem: quais papéis dominantes você ocupa na sociedade, por conta de sua branquitude? Enquanto uma convocatória organizada por mulheres brancas e negras, e que se mantém alinhada ao antirracismo, é urgente que nós abramos os olhos para o desequilíbrio espelhado em nossos dados, e que pensemos novos modelos e estratégias em próximas empreitadas, para que tal quadro não se repita. Não descartamos a possibilidade de realizar chamadas exclusivas para mulheres não brancas.

GÊNERO 

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Nossa convocatória teve a participação predominante de mulheres cisgêneras, que representam 86,6% do total. Mulheres trans representam apenas 5,7% das participantes, enquanto algumas das participantes se identificaram com as opções “outra”, 5,7%, ou não sinalizaram essa informação, constando enquanto “não listadas”, num total de 1,9%. É urgente que pensemos sobre a pluralidade de mulheres da qual fazemos parte, das que fazem parte dos nossos afetos, as que consumimos na literatura, aquelas com as quais nos comunicamos. Das mulheres que você lê, quantas são trans? As mulheres trans e travestis estão longe da literatura? Onde estão e onde podemos ler as linhas escritas por trans e travestis da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país? Enquanto uma convocatória construída por mulheres cisgêneras, é necessário pensarmos em somar forças com mulheres trans em nossa organização, pensarmos formações e estratégias direcionadas às trans e travestis, tendo inclusive enquanto horizonte a possibilidade de uma convocatória exclusiva para mulheres trans e travestis. 

 

BAIRRO

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São muitas as Porto Alegres que habitam nossa cidade. A Porto Alegre do bairro Rubem Berta é diferente da do Moinhos de Vento. A da Restinga é diferente da do Bom Fim. O Centro Histórico é diferente do Belém Velho. Sabendo disso e trabalhando com a lógica da cartografia da cidade, fez-se necessário analisar também que lugares de Porto Alegre estão mapeados nossos escritos. Assim, nos deparamos com o protagonismo do bairro Centro. Ele não é o bairro mais elitista, branco e rico da cidade, mas possui uma configuração de uma população de maioria classe média/classe média alta e de pessoas brancas, o que se interliga com os resultados por raça que obtivemos a partir da convocatória. Nosso chamamento foi feito 100% de modo online, uma vez que foi lançado no auge da pandemia de Covid-19 no estado. Em próximas experiências, que viabilizem a divulgação fora do virtual, os bairros descentralizados deverão ser priorizados, com uma divulgação via lambes nos muros e postes, além de possíveis formações em centros comunitários e escolas. Precisaremos nos descentralizar e ampliar nosso público, além de revigorar e dialogar com as já participantes da região central. 

 

IDADE

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O recorte das participantes por faixa etária foi o mais satisfatório no quesito diversidade, e isto deve ser celebrado! O panorama que traçamos aqui é de escritas de mulheres jovens, adultas e maduras. Houve um equilíbrio mais harmônico entre mulheres de 15 a 30 anos - 37,6% -, seguido de mulheres de 30 a 45 anos - 34,4%. Na sequência, mulheres de 60 a 75 anos - 5,1% - e a opção de mulheres que não informaram suas idades - 5,7%. Além de comemorado, esse é mais um viés a ser nutrido e fomentado para próximas oportunidades. Mulheres escrevendo, em seus diferentes estágios e matizes da vida - é o que queremos e continuaremos querendo! 


 

Referências:

Literatura feminista puxa negócios na contramão do mercado editorial: https://pme.estadao.com.br/noticias/geral,literatura-feminista-puxa-negocios-na-contramao-do-mercado-editorial,70003245812

 

Como o mercado editorial perpetua a desigualdade de gênero na literatura: https://www.huffpostbrasil.com/2016/07/04/leiamulheres-como-o-mercado-editorial-perpetua-a-desigualdade_n_9386482.html 

 

A lenta e árdua inserção da mulher no cenário literário brasileiro: https://biblioo.info/a-lenta-e-ardua-insercao-da-mulher-no-cenario-literario-brasileiro/  

 

Mulheres transformam o mercado editorial com publicações independentes: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2019/08/08/mulheres-abrem-editoras-para-derrubar-maioria-masculina-entre-autores.htm 


Porto Alegre lidera desigualdades entre negros e brancos no país: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/listas/porto-alegre-lidera-desigualdade-entre-negros-e-brancos-no-pais.htm

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